segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Tempo

Não foi por ela, nem por mim. Foi por ele mesmo que ele se perdeu. Apaixonou-se perdidamente pela beleza da moça. Olhos brilhantes, cabelos ao vento, aquele caminhar de quem anda sobre nuvens. Ele foi.

O coração cheio de amor para dar e amores para chorar. Era o que ele queria. O que sempre quis. Um furacão. Ela veio. E foi difícil. Tempestades e ventanias eram mais freqüentes que as belas noites de lua cheia. Mas ainda assim estava bom. Assim os olhos não ficavam secos e o coração mantinha-se sempre aquecido pelo fogo de tudo em volta.

Terremotos. Acompanhados de fogo e principalmente, calor. O clima mudava com uma freqüência inacreditável. Mas sempre como ele quis. Era um ir e vir. Beijos e carícias e despedidas. E velas. E voltas. E braços. E pernas.

Veio um vento forte. Dias, dias e dias. Quando as árvores já quase não tinham folhas, começaram a se apaziguar. Uma paz. Tranquilidade. Os olhos dela ainda brilhavam. As curvas já não eram as mesmas é certo. E as palavras agora eram doces. As formas arredondadas. O vestido mais curto. O vento transformou-se em brisa. Que continuava a soprar os mesmo cabelos.

Mas já não eram os mesmos. Não para ele. Não para quem viveu. O sol com seu brilho discreto, por trás de nuvens de aquarela. Com aquele arco-íris que deveria significar o início. Não dessa vez. Mais uma vez ele se perdeu. Para si mesmo. Porque já não era mais. Não suportaria viver com os olhos secos e um sorriso no rosto, nem para sempre, nem por um dia.

Lira

Sabia que duas décadas não era fácil. Parece muito pouco para quem já viveu sete ou oito delas, mas eu sabia que teria um peso diferente. Completei duas décadas no fim da década. Primeira década do novo milênio, novo século. Vividas metade lá, metade aqui.

Aniversário traz sempre uma sensação de ano novo. Um ano novo só nosso. Nossa retrospectiva, nossa promessas, nossos planos. E esse não vai ser diferente. O peso das duas décadas só torna-os um pouco mais responsáveis, um pouco mais próximos do chão.

Hoje ouvi desejos de amor, paz, saúde, sucesso.... E agradeço todos eles do fundo do meu coração. Mas quero pedir um pouco mais. Quero poder sonhar sem me desvincular totalmente da realidade. Quero crer sem perder de vista a luz da razão. Quero amar sem perder a alma de poeta. Quero me entregar sem temer. E sofrer se for valer a pena.

De resto? Sempre ter amigos por perto, inspiração, um bom livro, família e amores, de todos os tipos, mas nunca perder a capacidade de amar.

sábado, 28 de novembro de 2009

Joana


"Mesmo quando ele a feria, ela se refugiava nele contra ele."

Perto do coração selvagem - Clarice Lispector

Fragmento

- Essa atmosfera toda é só minha?

Ela perguntou do meio de um daqueles olhares eternos. Pegou-o despercebido. Tirou-o do meio de si, do meio de uma rereflexão.

- Não. E sim.

O mais estranho era que os dois ainda se entendiam. Mesmo depois de tanto tempo a atmosfera ainda era a mesma e ao mesmo tempo não era. E ao mesmo tempo era outro universo. Longe, longe.

Pesava. Não como um peso de pedras, ou mesmo de livros. Sim, porque mesmo uma tonelada de pedras pesa diferente de uma tonelada de livros. Mas não. Era peso de pensamento. Peso de consciência. Peso de culpa. Peso de tudo junto. E veja que peso de consciência não é consciência pesada e nem tudo mais.

Pesava sobre os dois, daí o Não. E de maneira diferente, o Sim. Mas, ele sentia o peso. Talvez mais até.

-É estranho. Não?

Foi uma espécie de complemento que ele jogou no ar. Não tinha como discernir se bom ou ruim, afinal peso é peso. É medida, não é valor.

-Nada. É isso que é.


Em 26.11.2009

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Sinal Fechado

– Olá! Como vai?
– Eu vou indo. E você, tudo bem?
– Tudo bem! Eu vou indo, correndo pegar meu lugar no futuro... E
você?
– Tudo bem! Eu vou indo, em busca de um sono tranqüilo...
Quem sabe?
– Quanto tempo!
– Pois é, quanto tempo!
– Me perdoe a pressa - é a alma dos nossos negócios!
– Qual, não tem de quê! Eu também só ando a cem!
– Quando é que você telefona? Precisamos nos ver por aí!
– Pra semana, prometo, talvez nos vejamos...Quem sabe?
– Quanto tempo!
– Pois é...quanto tempo!
– Tanta coisa que eu tinha a dizer, mas eu sumi na poeira das
ruas...
– Eu também tenho algo a dizer, mas me foge à lembrança!
– Por favor, telefone - Eu preciso beber alguma coisa,
rapidamente...
– Pra semana...
– O sinal...
– Eu procuro você...
– Vai abrir, vai abrir...
– Eu prometo, não esqueço, não esqueço...
– Por favor, não esqueça, não esqueça...
– Adeus!
– Adeus!
– Adeus!

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Dois


Alguma coisa nos olhos. Seus olhos. Um brilho que não se explica. Um olhar focado em um lugar que não sabe.

Lágrima, cristalizada? Um distanciamento de si mesmo em busca da aproximação. Pelo menos do Si que me foi apresentado.

Talvez existam muitos e por isso tal. Mas, como já me foi dito, é preciso aprender a conviver com o que não entendemos. E interessar-se. E não desistir. De si, eu ou você?

Não sei de nada. Não sei, não sei. Nada.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

A sala


Agora já era. Me apaixonei. Um mundo desconhecido, curioso. Uma velha novidade. Filosofia. Literatura. Arte. Hermenêutica. Cada sala que entro encontro portas e janelas entreabertas, por trás das quais vejo somente o brilho do que lá se encontra.

E que brilho. Tanto, que ofusca. Me sinto pequena e ao mesmo tempo guardo em mim toda a coragem e vontade do mundo. De uma criança. Cinco ou seis anos. Alfabetização. A primeira porta. E a partir dessa, tantas outras.

Vou passando, escolhendo aleatoriamente, quando a vida não escancara uma e escolhe por mim. E não fecho nenhuma. Vou deixando-as como estavam. ENTRE-abertas. Tão convidativas, para os que vêm depois de mim. Para mim mesma quando voltar. À sala dos espelhos.




sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Sinestesia

Tuas mãos geladas

Me lembravam azul

Tocavam-me trêmulas

Transformando o céu em mar


E eu a sonhar

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Depois dela.

Depois dela veio a chuva. Um dia inteiro de céu fechado, tarde escura e tristes nuvens cor de chumbo. Molhavam a cidade naquele dia quente deixando o clima abafado e úmido. Angustiante. Aquele cheiro de terra molhada pairava no ar. O som era o das gotas pesadas chegando ao chão e à janela de casa junto com as vozes das crianças que brincavam. Enquanto ela...

Chegou a noite, mas a chuva não foi. Encobriu a Lua e dela não se viu nem um raio de luz. E já era quase lua cheia. As nuvens, agora púrpuras, formavam um espesso cobertor através do qual nada se via, nem Lua, nem estrela, nem esperança. E ela durava.

Chegou a manhã, ainda com algumas nuvens persistentes derramando delicadas gotículas que já não caiam com a força do dia anterior, mas com a leveza característica das últimas gotas de um temporal. O som era de nada. Um som de nada gostoso que só se ouve em dias como esse.

Foram surgindo os primeiros traços de sol. Refletindo nas ruas molhadas. Aquele cheiro de depois da chuva inconfundível que nos dá a certeza de que passou. Os sons da cidade voltando, expulsando, ou abafando, aquele som de nada tão bom. Chegou finalmente o dia. E ela passou.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009


“Quando eu amo sei tudo sobre o amor. Quando tenho que falar dele, já não sei mais nada.”

Ouvi essa frase ainda há pouco de João de Jesus Paes Loureiro, acho que citava Santo Agostinho, não tenho muita certeza, só sei que ela me marcou muito. Ele fazia uma comparação com a fotografia e a arte em geral. E a frase ficou em minha cabeça em relação à vida.

Sempre acho que sei tudo, de sentimentos, de sonhos, da vida, mas quando tenho que falar, ou escrever, sobre eles, vejo que não sei mais nada. E aí começo a pensar sobre eles. Hoje foi um dia diferente. Um dia de sonhar, de planejar, de gargalhar, de ouvir. Um dia em que dentro de mim eu sabia de tudo. Sabia o que eu queria, o que eu gostava e o que me deixava feliz. E agora que quero falar disso vejo que não sei de mais nada.

Vejo que é preciso sonhar mais, planejar mais, executar mais e principalmente ouvir e aprender mais. Hoje a minha vontade de aprender e conhecer coisas novas está maior do que todas as outras 17 vontades dentro de mim.

Hoje eu me senti como uma criança que abre uma porta que esteve sempre trancada e descobre por detrás dela um mundo novo e fascinante. E a ansiedade por entrar nesse mundo é tão grande que, inicialmente, eu não consegui sair do lugar. Fiquei ali, parada, simplesmente contemplando. E fui entrando, devagarzinho, com todo o cuidado pra não tropeçar. E espero continuar caminhando, atenta a cada detalhe do caminho e a qualquer pedra que possa aparecer para me fazer cair.


domingo, 8 de novembro de 2009

lembrança

Às vezes fazemos amigos para uma noite só. Com quem nos divertimos, cantamos, discutimos e refletimos sobre as coisas da vida. E mesmo tendo mania de achar que amigos são só aqueles de muito tempo e sabendo que aqueles serão amigos só por aquela, ou talvez mais uma, noite, os chamamos de amigos. Bebemos, brindamos, falamos deles por uma semana e depois nunca mais.

Hoje me deu saudade de alguns desses amigos. Só hoje.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

20.07.1771

Carta de 20/07/1771

"E não vem a ser igual, no final das contas, contar ervilhas ou lentilhas? Tudo nessa vida acaba em bagatela e aquele que, para agradar aos outros se mata trabalhando por dinheiro, honras ou o que for, sem que a isso o mova sua própria paixão ou necessidade, é, com certeza, um tolo."

Trecho de "Os sofrimentos do jovem Werther" - Goethe

Um dos meus romances preferidos.


Hoje resolvi que vou fazer o que quero. Já li alguns capítulos de Helena e alguns poemas do Vinícius. Descobri algumas coisas interessantes. Fui ao cinema com uma amiga como não fazia há muito tempo. Comprei um livro que não é de Direito. E ao chegar em casa havia recebido um convite no mínimo interessante. Às vezes precisamos simplesmente viver. Agora vou ler meu livro novo "Outros escritos" - Clarice Lispector.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Eu Quero!

Não tenho tempo pra fazer o que quero e tenho tempo demais pra fazer o que não quero. Não quero estudar processo civil, muito menos processo penal. Quero estudar Filosofia do Direito, com Viehweg e outros filósofos. Quero estudar música. Não, não me iludo em achar que vou aprender a tocar um instrumento, só queria ouvir minhas músicas preferidas de Bach e Beethoven e entender as diferenças que eu sei que existem entre elas. Queria estudar história. Ler Paidéia que eu parei na introdução por falta de tempo. Ou história da Arte que eu nem comecei. Queria estudar alemão e aprender em uma semana o que vai levar um mês por pura falta de tempo para me dedicar. Queria ler poesia. Neruda. Cecília Meireles. Vinícius, de novo. Ou alguma coisa nova que me encante. Queria ter tempo de descobrir coisas novas. Queria programar minha viagem pro Rio e pro Chile com toda a calma do mundo, escolher os lugares, ler sobre eles, selecionar museus e a trilha sonora que vou levar comigo. Sim a minha vida tem trilha sonora. Queria escrever, até conseguir pôr no papel (ou na tela, por menos romântico que isso seja) todas as minhas angústias, meus sonhos e outros pensamentos que me impedem de me concentrar no que deveria. Mas tem alguma coisa que me impede de fazer tudo isso e eu ainda vou descobrir o que é. Por enquanto vou tentar, mais uma vez, fazer o que a vida acadêmica me exige e trocar todas essas vontades pela não-vontade de estudar processo.

Vivo o novo. De novo

Que seja como for

E o furacão que me envolve

Não me permite escapar

Sentimento, sem controle

Como todo puro e bom começo

Ou fim

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Tom e Vinícius

Ontem assisti ao musical “Tom e Vinícius”. Há quatro meses minha mãe o assistiu no Rio de Janeiro e desde então sempre que lembrava relatava como o espetáculo era maravilhoso. Minha vontade de assisti-lo teria que esperar até janeiro, quando devo ir para a cidade maravilhosa, mas o espetáculo foi neste fim de semana exibido em Belém.

Recebi um convite angustiado, cinco ligações não atendidas antes de ouvi-lo, para ir assistir a peça. De um amigo muito importante e muito amado. Infelizmente não pudemos ir juntos, mas não tive como não pensar nele enquanto assistia. Pode ser um tanto pretensioso, mas em parte, me lembrei de nossa amizade. Aliás, identifiquei-me muito, como sempre, com os dois. Tom e Vinícius eram bem diferentes e por isso se completavam.

Logo no início achei que não iria me agradar, mas com o passar das cenas, tudo foi me encantando e eu já estava vendo Tom e Vinícius ali no palco. Não sei se pela música, ou pelas poesias (talvez os dois), mas me emocionei muito e já queria, assim que saísse dali, ir para um bar ouvir boa música e tomar whisky em boa companhia. Mesmo que o “cachorro engarrafado” não me agrade muito.

Claro que não gostei de tudo. Principalmente da maneira corrida de declamar alguns poemas que, na minha opinião, devem ser quase que cantados, mesmo que sem uma melodia ao fundo. A exemplo de “O dia da criação”, que infelizmente sofreu muitos cortes, talvez para diminuir o tempo de duração. Sem falar no público mal educado, com o qual já estou até me acostumando, que fala alto, se levanta no meio da apresentação, tira fotos com flash fazendo o ator parar a peça para reclamar. Ou no lugar escolhido para a encenação, um centro de convenções e não um teatro, com uma acústica melhor e cadeiras em diferentes níveis, sem falar nos lugares marcado.

Mas, o que vale é que eu fiquei ainda mais encantada com Vinícius e “Tonzinho” e com vontade de conhecer mais suas obras e suas vidas. Cheguei em casa ontem e corri para minha antologia poética do Vinícius e fiquei lendo em voz alta, como deve ser a poesia, até adormecer. Hoje, encontrei na antologia dos poemas preferidos de ninguém menos que Susana de Moraes “o haver” e divido aqui com vocês a maravilha que é este poema lindíssimo.

O haver

Resta, acima de tudo, essa capacidade de ternura
Essa intimidade perfeita com o silêncio
Resta essa voz íntima pedindo perdão por tudo
– Perdoai-os! porque eles não têm culpa de ter nascido...

Resta esse antigo respeito pela noite, esse falar baixo
Essa mão que tateia antes de ter, esse medo
De ferir tocando, essa forte mão de homem
Cheia de mansidão para com tudo quanto existe.

Resta essa imobilidade, essa economia de gestos
Essa inércia cada vez maior diante do Infinito
Essa gagueira infantil de quem quer exprimir o inexprimível
Essa irredutível recusa à poesia não vivida.

Resta essa comunhão com os sons, esse sentimento
Da matéria em repouso, essa angústia da simultaneidade
Do tempo, essa lenta decomposição poética
Em busca de uma só vida, uma só morte, um só Vinicius.

Resta esse coração queimando como um círio
Numa catedral em ruínas, essa tristeza
Diante do cotidiano; ou essa súbita alegria
Ao ouvir passos na noite que se perdem sem história...

Resta essa vontade de chorar diante da beleza
Essa cólera em face da injustiça e do mal-entendido
Essa imensa piedade de si mesmo, essa imensa
Piedade de si mesmo e de sua força inútil.

Resta esse sentimento de infância subitamente desentranhado
De pequenos absurdos, essa capacidade
De rir à toa, esse ridículo desejo de ser útil
E essa coragem para comprometer-se sem necessidade.

Resta essa distração, essa disponibilidade, essa vagueza
De quem sabe que tudo já foi como será no vir-a-ser
E ao mesmo tempo essa vontade de servir, essa
Contemporaneidade com o amanhã dos que não tiveram ontem nem hoje.

Resta essa faculdade incoercível de sonhar
De transfigurar a realidade, dentro dessa incapacidade
De aceitá-la tal como é, e essa visão
Ampla dos acontecimentos, e essa impressionante

E desnecessária presciência, e essa memória anterior
De mundos inexistentes, e esse heroísmo
Estático, e essa pequenina luz indecifrável
A que às vezes os poetas dão o nome de esperança.

Resta esse desejo de sentir-se igual a todos
De refletir-se em olhares sem curiosidade e sem memória
Resta essa pobreza intrínseca, essa vaidade
De não querer ser príncipe senão do seu reino.

Resta esse diálogo cotidiano com a morte, essa curiosidade
Pelo momento a vir, quando, apressada
Ela virá me entreabrir a porta como uma velha amante
Mas recuará em véus ao ver-me junto à bem-amada...

Resta esse constante esforço para caminhar dentro do labirinto
Esse eterno levantar-se depois de cada queda
Essa busca de equilíbrio no fio da navalha
Essa terrível coragem diante do grande medo, e esse medo
Infantil de ter pequenas coragens.


in "Poesia completa e prosa: "Poesias coligidas""

Rotina

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